segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Poesia

Gastei uma hora pensando um verso 
que a pena não quer escrever. 
No entanto ele está cá dentro
inquieto,vivo.
Ele está cá dentro 
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento 
inunda minha vida inteira. 

Carlos Drummond de Andrade: poesia e prosa. 8 ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar , 1992,p.20.

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que Chega a fingir que é dor
A dor que que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não aduas que ele teve,
Mas só a a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira , a entreter a razão ,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

FERNANDO PESSOA. Obra Poética . Rio de Janeiro : Cia . José Aguilar Editora, 1972, p.164.

domingo, 14 de novembro de 2010

Pamonha , pamonha , pamonha

                                                  Pamonha , pamonha , pamonha
                          Reprodução Livro Textos e Linguagens
                                             8 ª Série
                                 Autor : Sérgio Tannenbaum

    Ainda não eram nove da manhã e a perua dobrava a esquina e vinha lentamente em direção ao prédio , anuciando:
    " Pamonha , pamonha , pamonha . Pamonha de Piracicaba. Pamonha , milho verde e curau."
    Uma frase já era suficiente para acordar qualquer um. Mesmo aqueles de sono mais pesado eram religiosamente despertados pelo homem da pamonha, todos os domingos . E enquanto houvesse um unico morador no prédio ou em toda vizinhança dormindo , lá vinha o alto-falante:
    '' Pamonha , pamonha , pamonha . Pamonha de Piracicaba . Pamonha , milho verde e curau."
    Nas primeiras semanas, apesar do incômodo , nada fizemos. Era só uma questão de tempo .Logo o Pamonha, como ficou conhecido o sujeito , iria arrumar outros clientes nas redondezas e nos deixaria em paz. Mas passados dois meses, o inferno continuava . Por isso , resolvemos convocar uma reunião dos moradores .
    A assembléia foi marcada para o domingo , ás nove da manhã. Tinhamos certeza de que todos estariam acordados e , principalmente , revoltados com o Pamonha . Foi o maior quorum em assembléias de toda a história do condomínio. Foram necessários menos de quinze minutos para a deliberação final.
   Definiram-se três etapas para se alcançar o objetivo. A primeira consistia em dialogar com o Pamonha e tentar convencê-lo a ir embora . A segunda etapa seria subornar o Pamonha para que ele sumisse do mapa. Se isso também não funcionasse , a última etapa , a mais radical , deveria entrar em ação . Uma criança , escolhida por sorteio no condomímio , iria se vestir com um colete de dinamite e ser explodidaexatamente no momento em que fosse comprar uma pamonha.
   A terceira etapa nem prescisou ser acionada . O Pamonha fez um acordo: não mais usaria o alto-falante se tivesse garantda a compra de vinte pamonhas por domingo. Era um preço baixo que tínhamos que pagar . Dividíamos as despesas entre os moradores. Cada semana , cinco apartamentos recebiam as pamonhas. Muitos abriram mão da pamonha e apenas pagavam a sua parte.
  Com o passar do tempo , as pessoas foram enjoando das pamonhas. Ninguém mais aguentava o cheiro de milho verde . Em nova assembléia , novamente por unanimidade , ficou estabelecido que o Pamonha nem prescisaria mais entregar as pamonhas.  E mais: se ele insistisse em entregar as pamonhas , a etapa três seria ativada . Mas , para o pamonha não sair no lucro , combinamos que ele deveria entregar as pamonhas numa favela próxima.
  O valor rateado para pagar o Pamonha já estava embutido no total do condomínio do mês , o que fez com que muitos moradores esquecessem definitivamente o assunto. Os novos moradores surpreendiam-se ao ver na prestação de contas do condomínio um item denominado "taxa do Pamonha". Diante do valor pouco expressivo , contentavam-se com qulquer explicação do síndico.
  O Pamonha , por sua vez , cumpriu sua parte no acordo . Toda semana aparecia na favela pra distribuir as pamonhas gratuitas . Assim , foi-se tornando muito popular e querido na região . No domingo , as crianças esperavam ansiosas a chegada da perua . Para muitas , o curau , o milho verde ou as pamonhas entregues de graça eram a unica refeição em muitos dias.
  O Pamonh já não era só Pamonha a ser chamado de o " Pamonha , o amigo dos pobres". E mesmo sem nos consultar , ele resolveu entregar pamonhas gratuitas em outras favelas mais distantes . Em dois anos , " Pamonha , o dos pobres ...

sábado, 13 de novembro de 2010

O Urso e os viajantes

                            O Urso e os Viajantes
                           Reprodução Livro didático
                          Língua Portuguesa 3ª Série
                        Autora: Ana Maria Machado
   
     Dois amigos iam viajando por uma estrada quando, de repente , apareceu um urso.
     Antes que o animal os visse , um dos homens correu para uma árvore ao lado da estrada, pendurou-se num galho e conseguiu puxar o corpo para cima e ficar escondido entre as folhas . O outro não foi tão rápido e , como era mais peasado , não tinha forças para subir sozinho. Ficou um tempo pendurado e, ao percber que seria impossível escapar daquela maneira , jogou-se no chão e fingiu que estava morto.
    Quando o urso chegou perto , ficou andando em volta do homem , cheirando-o por toda parte . O coitado prendeu bem a respiração e ficou imóvel , só com o coração batento forte.
    Dizem que ursos não atacam cadáveres e deve ser verdade , porque o bicho acabou desintindo , convencido de que o homem tinha mesmo morrido. Acabou indo embora.
    Quando não havia mais perigo , o viajante que estava na árvore desceu. Curioso , perguntou ao outro o que é que tanto o urso lhe segredava ao ouvido , quando encostara o focinho em sua orelha.
    -Ah, ele estava me aconselhando a nunca mais viajar com um amigo que me deixa sozinho no primeiro sinal de perigo !
   ( O tesouro das virtudes para crianças . Org. Ana Maria Machado . Rio de Janeiro , Nova Fronteira , 1999. p. 37.)

História Meio Ao Contrário

                 História Meio Ao Contrário 
               Autora : Ana Maria Machado .
              Reprodução do livro didático de
                 Língua Portuguesa 3ª Série

... E então eles se casarão , tiveram uma filha linda como um raio de sol e viveram felizes para sempre ...
    Tem muita história que acaba assim . Mas este é o começo da nossa . Quer dizer , se a gente tem que começar em algum lugar , pode muito bem ser por aí . Vai ser a história da filha desses tais que se casaram e viveram felizes para sempre . E a história dos filhos começa mesmo é na história dos país . Ou na dos avós , bisavós , tataravós ou requetatatataravós - Se alguém conseguir dizer isso e se lembrar de todas essas pessoas.
    Bom, tem alguém que lembra. Ìndio lembra. Em muitas tribos, pelo menos. Quando chega a noite e todo mundo se junta em volta da fogueira, muitas vezes os mais velhos ficam contando as histórias de todos os antepassados: avós , bisavós, todos esses que vieram antes , até chegar a vinte . De todos eles , cada Ìndio tem que saber pelo menos duas coisas - onde está enterrado o umbigo e onde está enterrado o crânio. Quer dizer , onde o bebezinho nasceu e onde depois a pessoa morreu. 
    Mas isso é coisa de Ìndio. Homem branco hoje em dia não liga mais para essas coisas. Prefere saber escalação de time de futebol, anúncio de televisão , capitais de países , marcas de automóveis e outras sabedorias civilizadas. Você sabe a história dos seus pais ? E dos seus avós ? E dos seus bisavós ? Eu também não sei muito não . Mas quando não sei invento.
    Gosto muito de inventar coisas. Por isso não sou muito boa contadeira de histórias. Fico misturando as coisas que aconteceram com as inventadas. E quando começo a conversar vou lembrando de outros assuntos , e misturando mais ainda. Fica uma história grande e principal toda cheia de historinhas pequenas penduradas nela. 
    Tem gente que gosta , acha divertido. Tem gente que só quer saber de historias muito exatas e muito bem arrumadinhas - então é melhor mudar de história , porque esta aqui é meio atrapalhada mesmo e toda ao contrário . Ela nem começou direito e ja apareceram aí em cima uns índios que não têm nada a ver com a história. Mas é que eu gosto muito de índios e piratas (por isso adoro a história de Peter Pan) e toda hora eu lembro deles.
    Mas vamos começar de novo pelo começo.
    Ou Pelo fim , que esta história é mesmo ao contrário.
    ... E então eles se casaram , tiveram uma filha linda como um raio de sol e viveram felizes para sempre.
    Eles eram um rei e uma rainha de um reino muito distante e encantado. Para casar com ela , ele tinha enfrentado mil perigos , derrotado monstros , sido ajudado por uma fada , tudo aquilo que a gente conhece das histórias antigas que as avós contavam e que os livros trazem cheios de figuras bonitas e coloridas . Depois, viveram felizes para sempre .
    Isso era o mais difícil de tudo. Viver feliz para sempre não e fácil, não. Para falar a verdade , nem é muito divertido. Fica tudo tão igual a vida inteira que é até sem graça. E eles conseguiram essa felicidade para sempre porque tiveram alguma sorte e gostavam muito um do outro . A esperteza era que toda vez que aconteciam problemas e aborrecimentos eles procuravam resolver , mas não achavam que eram infelizes . O Rei costumava dizer nessas horas :
     - Estou preocupado , mas isso passa . Ainda bem que eu sou feliz.
       E passava mesmo . Eles podiam ficar tristes , zangados , furiosos da vida , chateados , aborrecidos , até mesmo infelizes . Mas isso era só um jeito de estar um tempo . O jeito de ser era feliz .
 (Ana Maria Machado. História meio ao contrário. São Paulo , Àtica , 1987 . p 4 a 6 .)