sábado, 13 de novembro de 2010

História Meio Ao Contrário

                 História Meio Ao Contrário 
               Autora : Ana Maria Machado .
              Reprodução do livro didático de
                 Língua Portuguesa 3ª Série

... E então eles se casarão , tiveram uma filha linda como um raio de sol e viveram felizes para sempre ...
    Tem muita história que acaba assim . Mas este é o começo da nossa . Quer dizer , se a gente tem que começar em algum lugar , pode muito bem ser por aí . Vai ser a história da filha desses tais que se casaram e viveram felizes para sempre . E a história dos filhos começa mesmo é na história dos país . Ou na dos avós , bisavós , tataravós ou requetatatataravós - Se alguém conseguir dizer isso e se lembrar de todas essas pessoas.
    Bom, tem alguém que lembra. Ìndio lembra. Em muitas tribos, pelo menos. Quando chega a noite e todo mundo se junta em volta da fogueira, muitas vezes os mais velhos ficam contando as histórias de todos os antepassados: avós , bisavós, todos esses que vieram antes , até chegar a vinte . De todos eles , cada Ìndio tem que saber pelo menos duas coisas - onde está enterrado o umbigo e onde está enterrado o crânio. Quer dizer , onde o bebezinho nasceu e onde depois a pessoa morreu. 
    Mas isso é coisa de Ìndio. Homem branco hoje em dia não liga mais para essas coisas. Prefere saber escalação de time de futebol, anúncio de televisão , capitais de países , marcas de automóveis e outras sabedorias civilizadas. Você sabe a história dos seus pais ? E dos seus avós ? E dos seus bisavós ? Eu também não sei muito não . Mas quando não sei invento.
    Gosto muito de inventar coisas. Por isso não sou muito boa contadeira de histórias. Fico misturando as coisas que aconteceram com as inventadas. E quando começo a conversar vou lembrando de outros assuntos , e misturando mais ainda. Fica uma história grande e principal toda cheia de historinhas pequenas penduradas nela. 
    Tem gente que gosta , acha divertido. Tem gente que só quer saber de historias muito exatas e muito bem arrumadinhas - então é melhor mudar de história , porque esta aqui é meio atrapalhada mesmo e toda ao contrário . Ela nem começou direito e ja apareceram aí em cima uns índios que não têm nada a ver com a história. Mas é que eu gosto muito de índios e piratas (por isso adoro a história de Peter Pan) e toda hora eu lembro deles.
    Mas vamos começar de novo pelo começo.
    Ou Pelo fim , que esta história é mesmo ao contrário.
    ... E então eles se casaram , tiveram uma filha linda como um raio de sol e viveram felizes para sempre.
    Eles eram um rei e uma rainha de um reino muito distante e encantado. Para casar com ela , ele tinha enfrentado mil perigos , derrotado monstros , sido ajudado por uma fada , tudo aquilo que a gente conhece das histórias antigas que as avós contavam e que os livros trazem cheios de figuras bonitas e coloridas . Depois, viveram felizes para sempre .
    Isso era o mais difícil de tudo. Viver feliz para sempre não e fácil, não. Para falar a verdade , nem é muito divertido. Fica tudo tão igual a vida inteira que é até sem graça. E eles conseguiram essa felicidade para sempre porque tiveram alguma sorte e gostavam muito um do outro . A esperteza era que toda vez que aconteciam problemas e aborrecimentos eles procuravam resolver , mas não achavam que eram infelizes . O Rei costumava dizer nessas horas :
     - Estou preocupado , mas isso passa . Ainda bem que eu sou feliz.
       E passava mesmo . Eles podiam ficar tristes , zangados , furiosos da vida , chateados , aborrecidos , até mesmo infelizes . Mas isso era só um jeito de estar um tempo . O jeito de ser era feliz .
 (Ana Maria Machado. História meio ao contrário. São Paulo , Àtica , 1987 . p 4 a 6 .)

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